Virgem Maria!


Mais um ano se inicia. Há algumas semanas, vinha refletindo sobre um post para o ano novo, mas a intenção de postar alguma coisa antes da virada não se concretizou. Agora, tenho mais um ano para pensar sobre um texto de réveillon. Na verdade, dificilmente escolho um tema para as postagens. Seria muita pretensão minha dizer que os temas me escolhem, mas é alguma coisa parecida com isso. É quase como um assunto tomando conta de você de tal maneira que precisa ser expressado em caracteres.

Pois bem, estou agora na praia e, passeando na casa da minha avó, me deparei com uma revista “Seleções”, datada de 2006. O título da matéria de capa saltou aos meus olhos: “Como o brasileiro vê Deus”. Entre muitos comentários sobre o sincretismo religioso tupiniquim, estatísticas interessantes sobre o ateísmo quase ausente (95% dos nossos conterrâneos acreditam em Deus) e as crenças simplórias dos brasileiros, encontrei uma matéria sobre Maria, mãe de Jesus. Maria, mãe de Jesus. Conhecida também como Nossa Senhora, podendo ainda conter infinitos acréscimos como Aparecida, Guadalupe, Navegantes, etc... Mas todas elas se referem à mãe de Jesus, acho.

Os evangelhos bíblicos são muito vagos em relação a Maria. Eles a descrevem claramente como uma mulher bem-aventurada e de reta conduta que foi escolhida para ser a mãe de Jesus, abriga-lo em seu útero. Nada além disso. Nas passagens subseqüentes, Maria aparece apenas como um personagem a mais nas histórias dos evangelhos. Toda a história mística a respeito de Maria vem de um livro apócrifo do segundo século depois de Cristo, nomeado de proto-evangelho de Tiago. Ali, o escritor descreve o nascimento profético de Maria. Além disso, declara Maria como predestinada para ser virgem durante toda a sua vida, casando-se com um viúvo chamado José que já possuía filhos. Então, aos 16 anos Maria dá à luz Jesus numa caverna, posteriormente o escondendo da maldade de Herodes numa manjedoura.

A Igreja, não obstante este apócrifo, nunca havia dado muita atenção à Virgem. Até que no século XII, Bernardo de Claraval, um abade francês, proclamou que Maria intercedia pelos humanos junto a Jesus, e que todas as graças concedidas aos homens só chegavam por seu intermédio. Alguns católicos não aceitaram a ideia, pelo fato da posição de Maria haver se tornado totalmente anti-bíblica. Mas essa nova posição da Mãe de Jesus se popularizou. Já alguns anos depois, diversas supostas aparições de Maria a tornaram ainda mais popular. Inclusive, foram aceitos fatos como a Imaculada Conceição de Maria, ou seja, ela teria nascido livre do pecado original e a Ascensão, que diz que a Virgem não morreu, mas ascendeu aos céus. Muito bem, até o momento analisamos apenas os fatos que levaram à idolatria de Maria. Mas o mais interessante são as explicações do que levou a adoração a Maria se tornar tão popular.

Uma explicação junguiana (adeptos das ideias de Carl Jung – fundador da psicologia analítica) nos diz que a figura de Maria nada mais é do que uma tipologia de deusa, tão comum na religiosidade antiga. Nossa Senhora então não seria nada mais que uma “substituta” de Ísis, Deméter, e outras, na mentalidade coletiva. Já os freudianos defendem que Maria tem proeminência nas sociedades em que os lares sofrem com a ausência paterna. Seria muito mais fácil associar Deus amoroso e acolhedor a uma imagem feminina. Também, inconscientemente, afirmam os freudianos, a devoção a Maria ajudaria o indivíduo a satisfazer os desejos da própria mãe. De fato, a explicação mais cabível é o fato de que características maternas de Deus como o amor e a compaixão se encaixam mais numa figura feminina. A ideia junguiana é facilmente rebatida biblicamente. Encontramos no livro de Jeremias a adoração a uma deusa, chamada de Rainha dos Céus. Ali, no capítulo 44 deste livro, Deus condena a adoração a essa deusa, assim como condena a adoração a qualquer outro Deus que não seja Ele. Não é um caso de egoísmo divino, mas sim, de proteção contra qualquer crença que possa levar o homem a se decepcionar.

Mas, com certeza, o que mais me chamou a atenção foi a explicação dos seguidores de Freud. Creio que não há sociedade alguma, no contexto contemporâneo, que não sofra com a ausência paterna. Sem contar que, na maioria das vezes, os pais presentes não estão muito inclinados a demonstrarem o caráter de Deus. Assim, se torna cada vez mais complicado chamarmos Deus de Pai. Pai: este é o nome de Deus que Jesus nos deu a conhecer. João 17:26 nos diz: “Eu lhes fiz conhecer o teu nome e ainda o farei conhecer”. No Antigo Testamento o nome usado para designar a Deus era “Eu Sou” (Javé) ou “Todo-Poderoso” (Elohim), mas a partir do Novo Testamento Deus é conhecido por Pai. Isso mostra a proximidade que a humanidade passa a ter com Deus a partir da morte e ressurreição de Jesus.

São diversos os motivos que vejo para que Deus se desse a conhecer por Pai. Na verdade creio que, se houvesse uma palavra para designar pai e mãe ao mesmo tempo Deus se daria a conhecer por esse nome. Creio que o nome Pai, apesar de se tratar da parte masculina dos nossos progenitores, engloba também o sentido materno. De fato, Deus é comparado com uma mãe em diversos textos. Isaías 66:13 nos diz que Deus consolaria a Israel como alguém é consolado por sua mãe. Isaías 49:15 nos promete que, ainda que a mãe esqueça do filho do seu ventre, o Senhor não esqueceria de seus filhos. Em Mateus 23:37, Jesus compara o Senhor a uma galinha, que quer recolher seus pintinhos debaixo de suas asas. Poderia haver uma comparação mais maternal que essa? Sexo, enquanto gênero, é algo totalmente humano. Deus não é homem e não é mulher. Eu creio que tudo nessa terra é uma sombra da realidade espiritual. Algumas coisas de forma mais intensa, outras de forma mais imperceptível. Creio que, na verdade, o homem, o pai, expressa a força de Deus, a coragem, a proteção, a racionalidade de Deus. Já a mulher, a mãe, expressa a beleza, a sensibilidade, a emoção divina. Em Deus encontramos as características mais notáveis dos dois sexos, unidos em um ser só. Sendo assim, qual a necessidade de uma deusa? As teólogas feministas que defendem o papel de Maria como uma deusa, ou semi-deusa, na verdade estão totalmente perdidas na realidade bíblica e divina. Deus não pode ser machista, por não ser homem. Não pode ser feminista, por não ser mulher. Ele apenas define o papel de cada um dos gêneros para que vivam de acordo com a funcionalidade com que foram criados.

Quando penso sobre a personalidade divina, creio que nEle estão contidas as melhores qualidades da minha mãe e também de meu pai. Em Deus encontro o aconchegante e seguro colo da minha mãe, mas também nEle encontro o super-heroi que meu pai sempre será para mim. Deus sabia que a ausência paterna seria um mal sempre presente, principalmente na sociedade contemporânea. Talvez esse seja um dos principais motivos dele escolher o gênero masculino como representação de sua personalidade. Ora, se minha necessidade é ter um pai, Deus está ali para que eu encontre nEle o Pai que nunca tive. Mas isso não faz com que sua personalidade seja masculina e, assim, precisemos de um ser com características femininas para ser adorado.

Deus é completo. O ser humano criou a imagem de Maria por não ver claramente Aquele que criou a mãe de Jesus. Aquele que é nosso Pai. Aquele que é nossa Mãe.

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