Dez por cento

Como disse desde o começo do blog, este lugar é onde expresso minhas opiniões sobre a Bíblia, o cristianismo e a igreja. Neste post, quero abordar um assunto bastante controverso e dar o meu ponto de vista sobre o mesmo. Meu desejo é que, se alguém discordar de minha opinião ou achar que me desviei dos conceitos bíblicos, ajude-me, respeitosamente, a voltar ao caminho correto. Se, por outro lado, alguém ler e concordar com meus argumentos, que isso gere uma mudança não só em sua visão, mas, também, em sua atitude, com toda moderação e amor.

O assunto deste post é o dízimo. Até hoje, não conheci nenhuma igreja evangélica que não praticasse a tradição de exigir ou solicitar 10% da renda de seus membros como contribuição mensal. Porém, me chama à atenção o fato dessa tradição não estar explícita na vida da igreja primitiva. Paulo, que aborda listas enormes de regras de conduta para a igreja em seus escritos, não menciona em nenhum momento o dízimo. Há apenas duas citações sobre o dízimo no Novo Testamento, que trataremos mais adiante. De fato, a maioria dos pastores (senão a totalidade) utiliza o Antigo Testamento para estabelecer a doutrina do dízimo e para incitar aos membros de sua igreja a trazerem os 10 por cento.

O DÍZIMO E O ANTIGO TESTAMENTO

No Antigo Testamento, abundam os versículos sobre dízimo. Porém, a passagem mais utilizada é, sem dúvida, Malaquias 3:10. Ali encontramos não só um desafio divino para que o dízimo seja trazido à casa de Deus, mas uma promessa de prosperidade. O versículo anterior mostra que, por não entregar o dízimo, os israelitas estavam sob uma grande maldição (tradução NVI). Acredito que não sou o único que já ouviu muitos pastores atemorizando seus membros com a palavra “maldição” concernente a não entrega do dízimo.

O texto de Malaquias é realmente muito claro. A pergunta é: esse texto é suficiente para fundamentar a doutrina da prática do dízimo? Na minha opinião, não. O capítulo 1 de Malaquias adverte sobre o sacrifício de animais que não são perfeitos. Os pastores não pregam sobre esse texto por ser claro e óbvio que o sacrifício animal não é necessário depois de Jesus. O livro todo é, claramente, uma advertência sobre questões cerimoniais e relativas à nação de Israel. Interpretá-lo e aplicá-lo na igreja hoje de maneira literal seria um erro. Para sermos coerentes então, devemos dar o dízimo e sacrificar animais íntegros.

Sobre o fato da maldição de não entregar o dízimo, o apóstolo Paulo nos responde claramente em Gálatas 3:13: “Cristo nos resgatou da maldição da Lei”. Em minha concepção, uma pessoa de fato convertida não pode estar debaixo de maldição alguma, seja ela por dízimos, hereditária ou o que for. Se o sacrifício de Jesus não quebra todo o jugo de maldição, não temos esperança de que qualquer outra coisa no mundo poderá quebrá-lo.

Seguindo em minha opinião, o dízimo pertence às leis cerimoniais (ou talvez às civis), as quais qualquer um concorda que foram abolidas com a morte e ressurreição de Jesus. Levítico 27:30 traz a ordenança do dízimo na Lei. O versículo anterior diz: “Nenhuma pessoa consagrada para a destruição poderá ser resgatada”. O que eu quero dizer é isto: ou utilizamos toda a lei cerimonial da Bíblia, ou abolimos toda ela. Escolher o que vamos ou não seguir é extremamente ilógico.

O propósito do dízimo era o sustento da casa de Levi, que não tinha herança entre as tribos de Israel (Números 18:24). Era um “imposto” que o povo de Israel pagava para manter o seu sistema religioso (já que em Israel o religioso e o civil mantinham uma profunda ligação, a ponto de se confundirem um com o outro). O mesmo acontecia na Idade Média entre a Igreja Católica e o Império Romano. Foi fixado o imposto secular do dízimo para o sustento da Igreja, fato que influencia as igrejas, reformadas ou não, até hoje.

O DÍZIMO ANTES DA LEI E NO NOVO TESTAMENTO

Já ouvi alguns argumentos sobre o fato de o dízimo já ser praticado antes da Lei, o que daria validez à sua doutrina. O argumento até parece forte, contudo, devemos nos lembrar que os sacrifícios também eram praticados antes da Lei.

Em Gênesis, encontramos Abraão dando o dízimo a Melquisedeque, que mais tarde foi utilizado pelo escritor de Hebreus representando uma tipologia de Jesus. Minha compreensão dos versículos 4 a 10, do capítulo 7, de Hebreus de que o escritor tem a intenção de mostrar que, através da entrega de seu dízimo, Abraão reconheceu a Melquisedeque como sacerdote. A ênfase aqui é que o sacerdócio de Cristo foi reconhecido por Abraão e deve ser reconhecido, portanto, pelos judeus. Não consigo encontrar nenhuma referência onde a prática do dízimo deva seguir sendo praticada. Aliás, a impressão que o texto passa no versículo cinco é que a prática dizimista pertence ao passado.

Em Mateus 23:23, encontramos a única referência que Jesus faz ao dízimo: "Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas! Vocês dão o dízimo da hortelã, do endro e do cominho, mas têm negligenciado os preceitos mais importantes da lei: a justiça, a misericórdia e a fidelidade. Vocês devem praticar estas coisas, sem omitir aquelas”. Parece-me óbvio que Jesus está falando sobre o cumprimento da Lei. Os fariseus se preocupavam com as coisas pequenas da Lei e se esqueciam do que era realmente importante. Se os discípulos tivessem entendido essa frase de Jesus como uma instituição do dízimo, isso se refletiria na igreja primitiva e, certamente, estaria presente nas cartas de Paulo e no livro de Atos.

A VISÃO CRISTÃ DO DINHEIRO

A concepção que Jesus tinha do dinheiro e das riquezas parece esquecida hoje em dia. Quando Jesus cita as riquezas, quase sempre está relacionada com os pobres. Jesus, não poucas vezes, incitou seus seguidores a venderem tudo e dar seu dinheiro aos pobres. O Mestre sempre aponta para um tesouro no céu. Mais adiante, em Atos encontramos a Barnabé vendendo um terreno e dando todo o dinheiro para ser distribuído entre os membros da igreja, e não dez por cento do dinheiro.

Essa é a concepção de Jesus, uma visão holística. A vida do cristão deve ser inteiramente dEle, portanto, também suas riquezas. A doutrina do dízimo tem enganado a muitos que pensam que estão “justificados” diante Deus dando 10% ao mês para a igreja, e, assim, fugindo de uma maldição. É a velha história do “bicho-papão”. Se tudo o que temos não estiver disponível para a obra de Deus, então não podemos ser chamados realmente de cristãos.

A melhor ilustração da visão de Jesus sobre a contribuição talvez seja a da viúva que deu apenas duas moedas de cobre (Marcos 12:42). Jesus enfatiza que o que menos importa é a quantidade, a porcentagem ou o que seja, mas o coração do doador.

Acho interessante, porém, o cristão determinar uma porcentagem mensal de sua renda para a igreja. Se 5 ou 50 por cento, não importa. O mais importante é que dentro de seu coração deve estar a certeza de que o Senhor cuida de todas as suas necessidades e que todo os seus bens devem estar à disposição do Senhor.

Também seria interessante propor uma quantia mensal da renda do cristão para a ajuda aos pobres. Apenas um quilo de alimento não-perecível por mês não parece estar muito perto do que Jesus sugeriu.

Gostaria de concluir dizendo que não sou pastor e não tenho ideia da dificuldade e da grandeza de administrar uma igreja. Contudo, a obra é de Deus e Ele é o maior interessado em sustentá-la e fazê-la crescer, sempre e quando esteja sendo pregada a verdade.

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Quanto devemos?

A parábola do credor incompassivo é bastante conhecida, porém, às vezes temos a tendência de interpretar as parábolas de uma maneira superficial, perdendo alguns detalhes valiosos que o texto nos ensina. Estudando esse texto junto com um grupo de estudo bíblico percebi alguns detalhes que me chamaram a atenção e uma alarmante revelação que o texto trás.

Tudo começou com a pergunta de Pedro: “quantas vezes devo perdoar a meu irmão?” A parábola faz uma comparação com o perdão que recebemos de Deus. Já que recebemos um abundante e incalculável perdão divino, não devemos contabilizar a medida que perdoamos a um irmão nosso.

A conta perdoada pelo rei da parábola é de 10.000 talentos. Isso equivale ao salário de sessenta milhões de dias trabalhados, ou seja, quase 165.000 anos de trabalho. Obviamente, é um valor impagável. O credor, porém, implora para que o rei tenha paciência porque ele ainda o pagará.

Esse é o primeiro ponto importante da parábola. O credor não parecia ter real noção da sua dívida. Ele se iludia com a ideia de que iria pagá-la. Parece insana a afirmação do credor de que pagaria uma dívida tão alta. Estaria ele surdo? Seria ele louco? Não conhecia as equações matemáticas? O mais incrível é que o absurdo se repete. Crentes e descrentes ignoram a sua dívida, apesar de a escutarem diariamente pela lei pronunciada por Deus na Bíblia, ou da lei gravada em seu coração que acusa uma dívida impagável. Cada vez que a lei sussurra o tamanho da sua dívida em sua consciência, a resposta do seu íntimo é: “Senhor, tem paciência comigo, que tudo te pagarei”.

Nossa vida cristã não será vivida na sua plenitude se não tivermos consciência plena de nossa dívida. Reconhecer o tamanho dela nos deixa nas mãos da graça. Já não nos cobrimos de justiça própria tentando ganhar o favor de Deus, porque sabemos que nada do que fizermos vai pagar a nossa dívida, a não ser a iniciativa da benevolente graça divina.

A parábola segue com o perdão da dívida do credor pelo rei movido de misericórdia. Logo que sai da presença do rei, o credor encontra um conservo (diante do rei ambos ocupavam a mesma posição) que lhe devia cem denários. Essa quantia equivale ao salário de 3 meses e meio de trabalho, aproximadamente. Uma dívida totalmente pagável. Porém, a atitude daquele que recém havia sido perdoado é bem diferente daquele que o perdoou. Ele não ouve o pedido de seu credor e o lança na prisão, até que o pague toda sua dívida.

Tentei imaginar o que teria levado o credor, recém perdoado, cobrar tão veemente uma dívida tão leve. Pode ser que apenas tenha sido movido por ganância, mas parece mais racionável pensar que tal credor, em sua necessidade, ainda mantinha a ideia de pagar sua dívida com o rei. Seu orgulho não permitiu que ele aceitasse o perdão.

Obviamente, o personagem do credor incompassivo reflete a sociedade religiosa judaica contemporânea de Jesus, mas, também, reflete a nossa atitude por muitas vezes. Esse é o segundo ponto a ressaltar dessa parábola. Se não aceitamos o perdão de Deus da nossa dívida, não teremos a capacidade de perdoar o nosso irmão. Essa verdade é provada pela experiência da igreja. Pessoas que baseiam sua conduta em sua justiça própria impõem um peso antinatural aos seus irmãos na fé. Isso reflete um interior que não compreendeu o perdão abundante de Deus.

Uma vida cristã saudável deve seguir estes princípios: 1) Compreender o tamanho da dívida que tínhamos com Deus e reconhecer nossa impossibilidade de pagá-la; 2) Aceitar o perdão e a graça de Deus em nos perdoar simples e unicamente por sua misericórdia, sem merecimento algum nosso. Se incorporarmos pela fé esses dois pontos em nossa reflexão cristã individual, não teremos nenhuma dificuldade em perdoar nossos irmãos, seja qual for a dívida ou ofensa que eles tenham contra nós. Assim, viveremos uma vida liberta da justiça própria e da tentativa frustrada de alcançar o favor de Deus através de nossos próprios esforços.

Por último, encontramos nessa parábola uma declaração alarmante feita por Jesus:

Irado, seu senhor entregou-o aos torturadores, até que pagasse tudo o que devia. "Assim também lhes fará meu Pai celestial, se cada um de vocês não perdoar de coração a seu irmão".

Jesus aponta o perdão num conceito mais alto do que o pregado pelas igrejas hoje. Ele passa a ser um condicionante para a salvação. Se deixarmos de perdoar alguém, não podemos ter certeza da salvação. Provavelmente, muitos “cristãos” ficarão surpresos no dia do julgamento ao escutar o veredito divino. Talvez, porque quem se diz cristão, porém não perdoa verdadeiramente a seu irmão, nunca conheceu o tamanho de sua dívida com Deus e o preço do perdão que Jesus pagou por nós.

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O Sexto Sentido


“Ora, a fé é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que não se vêem.” Hebreus 11:1

Nos posts anteriores, falei um pouco sobre o neoateísmo, a ciência e a aparência de intelectualismo que o ateísmo traz consigo. Essa aparência é formada pelo uso da razão como guia para o ateu entender o mundo. Segundo o ateísmo, o conhecimento só é possível através da razão e se algo não é percebido pela razão, logo, não pode ser real. Acreditar no palpável, no visível e no tangível parece ser uma atitude muito mais inteligente do que acreditar em algo que não pode ter sua existência ou realidade comprovada. Realmente, acreditar em Papai Noel não se demonstra uma atitude inteligente. Acreditar em Deus segue a mesma perspectiva? Ter fé é para ignorantes? Acreditar em algo que não pode ser provado é ingenuidade?

Ter fé pode até parecer ingenuidade nos dias atuais. Como já disse, em sua maioria, a multidão de ateus é formada por indivíduos que, fazendo um balanço superficial, adotam o ateísmo como a crença mais lógica; outros baseiam suas convicções em argumentos científicos e poucos são os que fundamentam suas crenças ateístas em raciocínios filosóficos. Com isso me refiro à maioria, sem intenção de generalizar. Creio que a filosofia dá ótimas contribuições para crer que o teísmo é verdadeiro e mostrar que a fé não é tão absurda assim.

Desde o início da modernidade, dois movimentos filosóficos opostos tentaram explicar a fonte do conhecimento, a saber, o Racionalismo e o Empirismo. A filosofia de Immanuel Kant partiu dessas duas fontes. Kant, porém, rompeu com as duas em seu famoso livro “Crítica da Razão Pura”. Nesse livro, Kant sugere uma nova teoria sobre a fonte do conhecimento.

O que nos interessa neste ínterim são as teorias de Kant relacionadas ao conhecimento metafísico (ou seja, o conhecimento além do natural, do físico). O filósofo prussiano chegou à conclusão que não podemos conhecer o “fundo” das coisas. Apenas conhecemos o mundo através da ótica do tempo e do espaço. A teoria kantiana é bastante complexa, porém, o importante aqui é entender a conclusão do filósofo de que não podemos chegar ao conhecimento das coisas em si, apenas dos fenômenos.

Apesar de Kant ter balançado a estrutura de toda a metafísica que levava ao conhecimento filosófico de Deus, também colocou a razão em seu lugar, mostrando que a fé não é ignorante. Se aceitarmos a teoria kantiana, a qual é bastante fundamentada, aceitamos que é impossível ao homem o conhecimento do real apenas pelos seus cinco sentidos. E acredito que a fé é o sexto sentido: é a percepção de coisas reais que não estão ao alcance de nenhum dos nossos cinco sentidos.

Vemos, a partir dessa compreensão, que a fé não é ignorante e nem oposta à razão. A fé não é irracional, é suprarracional.

Esse entendimento da fé anda de mãos dadas com a autorrevelação divina, já que não adianta apenas ter fé, mas é preciso saber no que cremos. O escritor C. S. Lewis afirmou que “quando se trata de conhecer a Deus, toda a iniciativa depende dEle. Se Ele não se quiser revelar, nada do que façamos nos permitirá encontrá-lo”. O cristianismo afirma que somos seres criados e pelo uso de nosso livre-arbítrio, estamos separados de Deus. A única maneira, então, de um ser inferior e criado conhecer o seu criador é pela própria iniciativa desse ser soberano.

O quebra-cabeça se fecha quando cremos que a Bíblia é a autorrevelação do Criador. Ou seja, Deus nos revelou o que está além dos nossos cinco sentidos e nós, pela fé, acreditamos nessa realidade superior a nossas capacidades.

Essa compreensão de fé traz consequências para nossa vida diária. Podemos crer em todas as promessas que a Bíblia nos traz. Deus nos revelou o mundo que está além do que podemos ver ou sentir. Revelou nossa identidade de filhos dEle, apesar de nossos cinco sentidos dizerem coisas horríveis a nosso respeito. Revelou nossa riqueza nEle, apesar de nossos cinco sentidos somente verem pobreza. Revelou nosso futuro glorioso na eternidade com Ele, enquanto nossos cinco sentidos somente vêem um mundo físico sem perspectiva.

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