A parábola do credor incompassivo é bastante conhecida, porém, às vezes temos a tendência de interpretar as parábolas de uma maneira superficial, perdendo alguns detalhes valiosos que o texto nos ensina. Estudando esse texto junto com um grupo de estudo bíblico percebi alguns detalhes que me chamaram a atenção e uma alarmante revelação que o texto trás.


Tudo começou com a pergunta de Pedro: “quantas vezes devo perdoar a meu irmão?” A parábola faz uma comparação com o perdão que recebemos de Deus. Já que recebemos um abundante e incalculável perdão divino, não devemos contabilizar a medida que perdoamos a um irmão nosso.

A conta perdoada pelo rei da parábola é de 10.000 talentos. Isso equivale ao salário de sessenta milhões de dias trabalhados, ou seja, quase 165.000 anos de trabalho. Obviamente, é um valor impagável. O credor, porém, implora para que o rei tenha paciência porque ele ainda o pagará.

Esse é o primeiro ponto importante da parábola. O credor não parecia ter real noção da sua dívida. Ele se iludia com a ideia de que iria pagá-la. Parece insana a afirmação do credor de que pagaria uma dívida tão alta. Estaria ele surdo? Seria ele louco? Não conhecia as equações matemáticas? O mais incrível é que o absurdo se repete. Crentes e descrentes ignoram a sua dívida, apesar de a escutarem diariamente pela lei pronunciada por Deus na Bíblia, ou da lei gravada em seu coração que acusa uma dívida impagável. Cada vez que a lei sussurra o tamanho da sua dívida em sua consciência, a resposta do seu íntimo é: “Senhor, tem paciência comigo, que tudo te pagarei”.

Nossa vida cristã não será vivida na sua plenitude se não tivermos consciência plena de nossa dívida. Reconhecer o tamanho dela nos deixa nas mãos da graça. Já não nos cobrimos de justiça própria tentando ganhar o favor de Deus, porque sabemos que nada do que fizermos vai pagar a nossa dívida, a não ser a iniciativa da benevolente graça divina.

A parábola segue com o perdão da dívida do credor pelo rei movido de misericórdia. Logo que sai da presença do rei, o credor encontra um conservo (diante do rei ambos ocupavam a mesma posição) que lhe devia cem denários. Essa quantia equivale ao salário de 3 meses e meio de trabalho, aproximadamente. Uma dívida totalmente pagável. Porém, a atitude daquele que recém havia sido perdoado é bem diferente daquele que o perdoou. Ele não ouve o pedido de seu credor e o lança na prisão, até que o pague toda sua dívida.

Tentei imaginar o que teria levado o credor, recém perdoado, cobrar tão veemente uma dívida tão leve. Pode ser que apenas tenha sido movido por ganância, mas parece mais racionável pensar que tal credor, em sua necessidade, ainda mantinha a ideia de pagar sua dívida com o rei. Seu orgulho não permitiu que ele aceitasse o perdão.

Obviamente, o personagem do credor incompassivo reflete a sociedade religiosa judaica contemporânea de Jesus, mas, também, reflete a nossa atitude por muitas vezes. Esse é o segundo ponto a ressaltar dessa parábola. Se não aceitamos o perdão de Deus da nossa dívida, não teremos a capacidade de perdoar o nosso irmão. Essa verdade é provada pela experiência da igreja. Pessoas que baseiam sua conduta em sua justiça própria impõem um peso antinatural aos seus irmãos na fé. Isso reflete um interior que não compreendeu o perdão abundante de Deus.

Uma vida cristã saudável deve seguir estes princípios: 1) Compreender o tamanho da dívida que tínhamos com Deus e reconhecer nossa impossibilidade de pagá-la; 2) Aceitar o perdão e a graça de Deus em nos perdoar simples e unicamente por sua misericórdia, sem merecimento algum nosso. Se incorporarmos pela fé esses dois pontos em nossa reflexão cristã individual, não teremos nenhuma dificuldade em perdoar nossos irmãos, seja qual for a dívida ou ofensa que eles tenham contra nós. Assim, viveremos uma vida liberta da justiça própria e da tentativa frustrada de alcançar o favor de Deus através de nossos próprios esforços.

Por último, encontramos nessa parábola uma declaração alarmante feita por Jesus:

Irado, seu senhor entregou-o aos torturadores, até que pagasse tudo o que devia. "Assim também lhes fará meu Pai celestial, se cada um de vocês não perdoar de coração a seu irmão".

Jesus aponta o perdão num conceito mais alto do que o pregado pelas igrejas hoje. Ele passa a ser um condicionante para a salvação. Se deixarmos de perdoar alguém, não podemos ter certeza da salvação. Provavelmente, muitos “cristãos” ficarão surpresos no dia do julgamento ao escutar o veredito divino. Talvez, porque quem se diz cristão, porém não perdoa verdadeiramente a seu irmão, nunca conheceu o tamanho de sua dívida com Deus e o preço do perdão que Jesus pagou por nós.

One Response so far.

  1. Olá!
    Já há algum tempo que eu sigo esse blog e hoje eu resolvi comentar...
    Sou uma caçadora de blogs e devo dizer que esse é o meu favorito até então! :)
    Amo a forma como vc escreve... um lindo dom!
    Parabéns!

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