Com certeza você já se deparou com alguns versículos no livro dos Salmos que parecem um pouco incompatíveis com a Bíblia. “Desperta para castigar todas as nações; não tenhas misericórdia dos traidores perversos” (Salmo 59:5). “Quebra os dentes deles, ó Deus” (Salmo 58:6). “Fiquem órfãos os seus filhos e a sua esposa, viúva” (Salmo 109:9). Esses versículos não lhe chamam a atenção? Como Deus permitiu que eles estivessem no cânon bíblico?

Esses são os Salmos Imprecatórios. Neles, o salmista expressa todo o seu desejo de vingança e o seu ódio contra os seus perseguidores - aqueles que não servem a Deus. Tais salmos parecem uma contradição bíblica, mas há muitos fatores a ter-se em conta na hora de interpretá-los. Primeiramente, devemos considerar a cultura do Antigo Oriente Médio e a linguagem apaixonada do povo hebreu. Também, é importante considerar que o Antigo Testamento é somente a preparação da revelação divina e não a revelação completa.
Contudo, o salmista não se vinga, mas entrega tudo o que sente nas mãos do Senhor. Há ainda outros fatores que nos ajudam a compreender melhor essas poesias regadas a ódio, mas quero tentar encontrar algum ensino relevante. Se Deus permitiu que esses versículos fizessem parte do Livro Sagrado, há algo para aprendermos.

Lendo esses hinos e estudando o livro dos Salmos, pude perceber que a emoção é o que rege a mão do compositor no momento de escrever uma canção dedicada ao seu Deus. Cada salmo é constituído de uma emoção autêntica, não fingida, onde o salmista não se preocupa em passar uma bela imagem de si mesmo. Sua única preocupação é expressar seus sentimentos a Deus.

Há algum tempo, a ideia de “adoração profética” se tornou popular. Muitas vezes, nesse meio, os compositores falavam de “canções reveladas”. Já ouvi testemunhos de ministros de música que foram até o céu e escutaram a música que se cantava ali. Ouvi também a história de um reconhecido ministro que não escutava mais nenhum tipo de música, pois queria escutar a música que se tocava no céu para compô-la.

Porém, no âmbito bíblico, as músicas surgiam dos próprios homens, de sua própria emoção e não de revelação divina. O povo hebreu sempre foi intenso na demonstração de suas emoções. Quando estavam de luto, choravam por vários dias. Quando estavam indignados, rasgavam sua roupa. Quando estavam alegres, dançavam com todas suas forças. Os salmos imprecatórios são a prova disso.

Outro pensamento que ronda as ministrações de louvor em nossas igrejas é de que cada pessoa na congregação deve ignorar todos os seus sentimentos e cantar a Deus com alegria em todos os momentos. “Pule! Grite! Corra! Faça festa!” Inclusive, já ouvi a frase “quem não pula não vai para o céu!” Há pessoas que, assim como eu, são mais introspectivas, por isso, não se sentem muito cômodas movimentando-se muito durante o período de música. Cada pessoa tem uma personalidade, que é manifestada em momentos como esse. Deus respeita a personalidade de cada indivíduo. Não existem boas ou más personalidades. O ministro de louvor deve aprender a respeitá-las também.

Eis a questão: quando um pai conversa com seu filho, o que ele quer escutar? Um fingimento, ignorando seus sentimentos e aparentando ser forte? Ou a verdade do que ele realmente sente para que o pai possa consolá-lo?

A música é, talvez, o meio mais efetivo de expressar as emoções. Foi um presente que Deus nos deu: incluiu a música no culto para que ela nos ajude a expressar-nos melhor a Ele. Entretanto, há muito tempo uma mentira é pregada nas igrejas: as emoções e sentimentos são opostos ao espírito - as emoções são carnais e não espirituais. Este dualismo errôneo entre os sentimentos e espírito tem proporcionado às igrejas os momentos de música mais pobres e sem sentido que se possa imaginar. As letras das músicas não refletem a realidade de nenhum daqueles que precisam se expressar a Deus. A complexidade da linguagem quase apocalíptica assusta qualquer novo convertido, que não faz ideia do que é ser “noiva do cordeiro”, ou do que é o “fogo” que “vem me queimar”.

Imagino que Deus está cansado de ver seus filhos fingindo coisas que não são e expressando coisas que não sentem. É hora de olhar novamente para a perspectiva bíblica que sempre mostrou as falhas e os acertos de todos os homens. Diante de Deus há lugar para expressar amor e ódio, tristeza e alegria, ânimo e desânimo. Somente não há lugar para falta de sinceridade.

One Response so far.

  1. Anônimo says:

    Fato!!!

    Só aplicamos o que queremos da bíblia!

    Basta de cristãos que não sabem ser eles mesmos!

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